23 de julho de 2008

Elas querem ter vontade própria

Fabiano também não sabia falar. Às vezes largava nomes arrevesados, por embromação. Via perfeitamente que tudo era besteira. Não podia arrumar o que tinha no interior. Se pudesse... Ah! Se pudesse, atacaria os soldados que espancam criaturas indefesas.

Quando li essa passagem do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos não puder deixar de pensar e fazer comparações:

É isso mesmo. Estou como Fabiano. Presa. Ele numa cela, preso por um soldado amarelo. Estou presa em mim mesma. Ele usa a mulher e os filhos como desculpa para não fazer uma “besteira” para se libertar. Eu uso minha formação e os muitos “não” que ouvi de minha mãe.

Fabiano só queria organizar as idéias para falar aos soldados que era um engano, que estava preso, mas era inocente de qualquer acusação. E eu, o que posso dizer? Não sou inocente. Sou a maior culpada da minha prostração.

Na mente um caldeirão de palavras que fervem. Fico zonza, não sei por onde começar...

Quando vou colocar no papel elas se confundem, xingam umas as outras, praguejam, gritam barbaridades, esperneiam e para meu desespero, nada de se organizar.

Olho para elas suplicante, como uma mãe que perdeu o controle dos filhos. Imploro, suplico em vão. Elas não me ouvem e continuam a se amontoar. Esbofeteiam-se, mordem quem estiver perto, espalham beliscões e mais confusão.

Sinto minhas forças se esvaindo, quero desistir, mas algo mais forte me faz permanecer ali, diante de tamanha frustração.

Penso que deve existir uma forma de colocar ordem na algazarra e pôr todas a trabalhar a meu favor. São minhas servas não o contrário. Tento dizer-lhes. Mais uma vez em vão. Aumento o tom da voz, grito e elas param assustadas a me olhar.

Feliz por ganhar atenção pela primeira vez e com voz mais branda, digo:

Agora sim, podemos começar.

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